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A amizade às vezes deforma-se e vira joanete

por Cláudia Matos Silva, em 23.11.15

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Brincadeira corriqueira falar de joenates com M. Talvez porque um dia no cinema de Alvalade, aguardando pela sessão, avistámos uma senhora de bom porte, entrada na idade dos 'entas' mas enxuta, usando bonitas sabrinas de veludo. O que nos chamou à atenção foi tão lindo e delicado sapatinho porém deformado por um enorme joanete. M. que recusa a idade e diz-se eternamente jovem, tem sonhos horríveis, vê-se careca, desdentada e com joanetes. Nós rimos, ainda exibindo uma dentição impecável, para no fim nos restar um olhar melancólico, um sorriso descaído, a desfazer-se com o passar dos segundos porque nos bate a consciencia do inevitável, a velhice.

 

Busquei no google 'joanetes' porque no fundo o que me fascina é a palavra e usava-a tantas vezes quanto possível. E às vezes sem querer melindrava uma ou outra mulher, cujos joenates escondidos entre meias de algodão, gritavam socorro enquanto elas tentavam lidar com alguma normalidade, mas a núvem do complexo via-se a milhas de distancia.

 

A minha amizade com M. acabou, como terminam alguns amores. A relação entre nós as duas, tal como os próprios joanetes, tornar-se-ia dolorosa. Eu mal a conseguia ouvir sem sentir um certo nervosismo, ela oferecia-me em troca longos silêncios. Prefiro pensar que a natureza nos separou, como se a nossa energia deixasse de se complementar como noutros tempos, mas a verdade é apenas uma, deixámos de nos dar e eu tomei a decisão de me afastar, de vez. 

 

Lembrá-la todos os dias parece-me um castigo, como se o destino tivesse sido contrariado e eu a todo o custo devesse manter aquela amizade que na sua profundidade se perdera algures no caminho. Eu não tinha o direito de desfazer uma relação tão bonita, castiga-me o universo, todo o santo dia, assim abro o browser no google. Na lateral do ecran anúncios prometem a solução para os meus joanetes, e piscam várias vezes, urgentes, como se entrelinhas pudesse ler uma mensagem subliminar, vá lá telefona a M. 

publicado às 09:07

O natal é...uma lista de exigências

por Cláudia Matos Silva, em 21.11.15

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Não é novidade, há uns estraga prazeres (eu), que não apreciam o natal pelas razões mercantilistas da 'coisa'. O natal nada tem a ver com o barbaças vestido de branco e vermelho.

 

As crianças têm uma lista predefinida e exigente dos muitos presentes que obrigam os pais a comprar. E, notem, a palavra obrigar não está entre aspas, porque há a obrigatoriedade em cumprir criteriosamente cada item da lista. É até com orgulho que os miúdos partilham entre colegas quão fantásticas são as suas exigências, ignorando que o pai natal não é uma entidade mas tão simplesmente, dois indivíduos que se vêm gregos para lhes pagar o material escolar, quanto mais as superficialidades. E aqui reside o principal problema, os dois indivíduos que ganham, cada um pouco mais do ordenado mínimo, e contam trocos na hora de comprar o pão, cimentam no seu mais que tudo a importância do supérfluo. Se não vejamos, o miúdo pede (exige) porque o pai assim permite, uma nova colecção de super-heróis, o pobre progenitor, comum mortal sem capa ou espada, não sabe como se desenrascar daquela 'emboscada', mesmo assim tenta um golpe baixo 'se tiveres boas notas...' É sabido, quer sejam boas ou más, as notas que escasseiam para o sustento básico do agregado familiar, pouco ou nada tem a ver com as notas que o 'petiz' revela no fim de cada período. Como por artes mágicas, haja ou não pão na mesa, o pinheiro de natal é ricamente decorado não só com adornos dourados e prateados, mas com muitos embrulhos em papel colorido e bonitos laçarotes.

 

E se acredito na urgência de vermos o melhor em cada situação, julgo que a hora de juntar a família em redor de uma árvore é a grande fortuna, nesta época de fanatismo consumista. Pais, filhos, avós, todos a criar ou reciclar, praticar a criatividade com risos e ternura. Procurar em passeios afectuosos, pedrinhas, musgo ou pequenas pinhas para embelezar o presépio. Está encontrada a verdadeira magia do natal, é preciso apenas, vontade. E que valiosa é a nossa vontade, a tal vontade que passamos o ano inteiro a menosprezar. 

 

Porque tenho gatos, e a maioria dos patudos tem uma relação de loucos com o pobre pinheiro, há muito optei por criar soluções práticas. A minha árvore de natal saiu totalmente das minhas mãos, tem pouco mais de um palmo e muitas laças, pontos e pauzinhos. Crochetei a árvore e nada ficou ao acaso, nem a estrela em destaque no topo, junto a um dos meus livros de Freud. Ali está desde hoje, e o resto do ano, para me lembrar da verdadeira essência da vida. E se puder fazer em cada dia, um novo natal, então que os meus presentes sejam abraços sinceros, generosidade e cuidado com os meus, sem esquecer que os outros também somos todos nós.  

publicado às 18:02

Mãos pequenas, coração grande

por Cláudia Matos Silva, em 18.11.15

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Se o ano já é de balanço, 2015 foi precioso por tê-la conhecida, 'a pequena' de coração descomunal. Não pretendo replicar-lhe a bondade, porque isto de ser generoso nasce connosco, e eu ainda tenho uma longa batalha com o meu descomunal egoismo. Por outro lado, se 'a pequena' sofre por querer o bem a todo o mundo, por outro lado eu sinto-me resguardada por filtrar os meus afectos, egoistamente.

 

'A pequena' é uma mulher simples, lida também ela com os seus fantasmas, mas diariamente finta-os com a destreza de uma maratonista, e é vê-la correr de um lado para o outro, a espalhar a esperança por todos quantos julgam tê-la perdido, pelo menos até verem as mãos da 'pequena' em seu socorro. A mim, já me pôs lágrimas nos olhos, beliscou-me o ego e sem palavras lembrou-me, não é vergonha alguma aceitar de bom grado quem nos quer ajudar. 'A pequena' acredita que é possivel tornar o mundo num sitio melhor, e por isso, esquece-se de si mesma. Acode todos e mais alguns, sem mãos a medir, aos afectos que espalha como uma semente boa que crê, vire flor vistosa e imune a ventes, tempestadas ou ervas daninhas.

 

E se 'a pequena' olhasse um pouco mais para o seu umbigo? Se a mim me transmitiu o sentido de generosidade ao próximo, eu, humildemente tenho apenas uma talhada do meu egoismo para lhe oferecer em mãos, numa caixa colorida e um grande laçarote no topo.

 

Espero que aceite, 'pequena', sem culpa, este sentimento que lhe transmito de coração aberto. Olhe por si, primeiro, para estar no seu melhor para os outros. Só nesse momento verá que todos os seus esforços não são em vão.

 

Eu gosto muito da 'pequena'.

publicado às 10:38

Porque nos ligamos mais aos animais e menos às pessoas?

por Cláudia Matos Silva, em 03.11.15

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Conhecemos de cor e salteado frases como 'quanto mais conheço os homens mais gosto do meu cão', mas se isto não é mais do que um desabafo para mulheres com uma longa lista de desamores, também não deixa de ser verdade que as pessoas, em geral, se dedicam cada vez mais aos animais, os domésticos, em particular.

 

Se tentarmos procurar uma lógica para o facto de há uns tempos atrás ter tentado salvar uma gaivota em apuros, para depois borrifar-me para os 'ais' da vizinha da porta ao lado, isso só pode dizer de mim; mulher destemperada, com dois pesos e duas medidas e falta de bom senso. Acrescente-se ainda, pura insensibilidade, porque de qualquer das maneiras, a gaivota acabaria por morrer, e com um penso rápido talvez aliviasse a dor, mesmo que moral, da tal vizinha.

 

Não estudei a fundo esta questão, assumi-me como desajustada, e assim vivo um dia de cada vez, apreciando os muitos bichos que cruzam o meu caminho. Desde o cão sarnoso ao cavalo garboso todos merecem a minha atenção. No entanto, aquele individuo que caminha lentamente no meio da rua com os braços caídos ao longo do tronco e os ombros atarracados denuciando falta de alento, quero distância.

 

Páro o carro e aprecio um bode, sou incapaz de parar numa passadeira e deixar passar uma senhora que se desloca devagarinho sem soltar o suspiro pelos lábios, e nem me atrevo a revelar os terríveis pensamentos que me atravessam a mente.

 

Conclusão, o bode mijou-me em cima. Verdade. Eu dei uma valente gargalhada enquanto tentava escapar do último jacto de urina. A senhora idosa atravessando a passadeira acenou-me com a mão em sinal de agradecimento. Verdade. Eu não via hora de meter a primeira e seguir a todo o vapor o meu destino e enquanto aguardava o caminho livre ainda forcei um sorriso de enfado e o universo que me agradecesse pela 'boa acção do dia'.

 

Não posso ser a única a ter este comportamento! Aliás, não sou. Vejo-o todos os dias, com a diferença de que poucos se questionam sobre uma certas inversão de prioridades. Se antes estavamos uns pelos outros, agora estamos uns pelos animais e a maior parte pelo próprio umbigo.

 

Naquela manhã em Monchique regada com mijadela de bode, vislumbrei uma resposta, aligeirando o pesa na consciência.

 

Vamos aos factos. Eu prefiro o bode à velhota e isso não pode estar certo, não pode, mas é um facto. E se gostar do bode e da velhota, sim é possível, mas ao bicho vou perdoar-lhe tudo e à velhota, nada. E embora este pareça um dilema de dificil resolução, vamos recuar até à história do que livre leve e solto pulava de liana em liana 'Eu Tarzan, tu Jane'. É na simplicidade que se resume este encanto pelos irracionais, eles não pensam, não ponderam, não racionalizam ou manipulam, eles são animais e gostam de nós, tenhamos mau hálito, habitemos na mais profunda miséria ou desencantados com a humanidade, como resposta, nos tornemos execráveis. Os bichos gostam de nós, apenas isso. Aguardamos uma explicação, não, gostam porque sim. E é só disso que realmente precisamos, que gostem de nós sem artefactos, manhas ou interesses. Vá, gostemos uns aos outros, porque sim.

publicado às 22:17


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