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Escolher partir ou ficar

por Cláudia Matos Silva, em 30.10.15

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Atenção, o teor deste post pode parecer, numa primeira leitura, pessimista quando é na apenas realista.

 

Se aos 15 anos a morte não me incomodava, nem sequer ocupava espaço no meu reservatório de preocupações adolescentes, aos 38 anos, há uma noção aproximada da mortalidade. E se tudo correr bem com esta idade a minha morte ainda vem longe, a verdade é que o desaparecimento dos meus deixa uma mágoa cada vez maior. A cada perda, perecemos também. Mas a morte é vista pelas pessoas como o pior dos males, ditados populares como 'só não há solução para a morte', arrasam com qualquer dúvida. A questão que se impõe; e se a morte for, de facto, a única solução? - As coisas nunca são colocadas nestes termos e por isso os nossos hospitais estão replectos de pessoas muribundas, a quem nunca lhes foi dada a possibilidade de escolher, é hora de continuar ou simplesmente partir? Longe de mim levantar discussões deontológicas, mas eu gostava de um dia, mais tarde, seguir para outra esfera seguindo em paz e deixando tranquilos todos quantos ainda têm um percurso  'aqui'.

 

O mesmo problema se coloca nos animais. Há quem me considere fria, infelizmente tive duas perdas e vou a caminho da terceira. Dizem-me magoados, não quero voltar a ter bichos, como se não ultrapassassem o luto. Há tantos animais para amar, acolhamos mais um, guardando no coração todos quantos partiram cumprindo a sua missão na pele de gato, cão ou até porco. E eu sinto-me orgulhosa por escolher tirar-lhes a vida enquanto a dor não se apodera deles. Não é prazeirosa a visita ao veterinário, enquanto nos despedimos do nosso 'menino' com os olhos raiados de lágrimas e o nariz a pingar, ainda nos pedem para assinar papelada e pagar pela partida de quem amamos.

 

E por isto, há quem não me ache humana, mas o meu raciocionio é claro; tal como as pessoas, novas e velhas, com doenças fatais internadas nos hospitais, ansiando a sua hora, sofrendo e causando sofrimento aos seus, recuso-me a ficar de mãos atadas assistindo de camarote à degradação dos meus bichos. É com sangue frio e a cabeça a latejar que escolho sempre eutanasiar os meus gatos, tentando antecipar-lhes o sofrimento. Eles vão em paz e eu fico em paz, afinal permanecem as recordações de vidas felizes e essas só morrerão quando eu própria perecer.

 

Morrerei hoje apenas um pouco, mas o meu coração ainda bate.

 

Meu querido Leonardo, tiveste uma linda vida de gato, não há nada para lamentar. Chegou a tua hora.

publicado às 09:06

Quando a carne deixa de fazer sentido...

por Cláudia Matos Silva, em 25.10.15

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É com regularidade que oiço alguém dizer-me, sou vegetariano, e os motivos não distam muitos dos que me motivam a rejeitar a carne. Não sou convicta, ou pelo menos não era, até ao dia que um murro me assentou no estômago e cujo efeito ainda se faz sentir.

 

Há que compreender, os animais são animais, e o facto de os tratarmos como pessoas leva a equívocos. Mas a verdade é apenas uma, o humano tem-se vindo a melhorar em vários aspectos, valorizando tudo o que o rodeia. É por isso que olhar para uma vaca no pasto, apreciar-lhe o porte ou até colecioná-la em loiça e canecas, para mais tarde tê-la grelhada no prato e tentar lamber os beiços sem culpa, afecta e em muito a relação que temos com a comida. Eu diria que não fazem sentido todas as tendências que surgem em termos nutricionais, desde barrras energéticas a batidos, e um sem número de dietas que as pessoas adoptam porque deixam de se rever no que a tradição lhes ditou como correcto; bife, arroz e batata frita. 

 

Porém, aconteceu comigo, o mesmo que terá acontecido com todos quantos me confidenciam, sou vegetariano. Eu não sou coisa alguma, os títulos são para a realeza e as etiquetas para as embalagens. Sou apenas uma miúda, sem qualquer talento para a cozinha, e que numa de 'popança do lar' comprou um frango inteiro, crendo ingenuamente que daria conta do recado. Nem o frango era frango, e a galinha que jazia nas minhas mãos deixou-me num tal estado febril que nem sequer a consegui confecionar. Ainda hoje tenho a sensação dos nervos, da pêle, da carne nos dedos, oiço as cartilagens, e lembro os ovinhos no ventre meio desfeito. O cheiro a carne e sangue entupiu-me o olfacto e durante alguns dias parecia ter o bicho junto a mim emanando aquele odor. Seria pecado ou castigo?

 

Não sei se voltarei a comer carne, talvez um dia quando ultrapassar este episódio, mas daquele dia até hoje rejeito-a visceralmente. Não é capricho ou mania, apenas não faz sentido na minha forma de estar na vida. É preciso, no entanto, reaprender a comer, como se começasse tudo de novo, o 'bê à bá' ou até mesmo caminhar. Sinto que é um caminho espinhoso, sim o peixe tem sido uma apaziguadora alternativa. Não deixa de ser desafiante comer com consciência, especialmente sofrendo de compulsão alimentar. Vejo-me com a responsabilidade de monitorizar tudo o que ingiro, a disciplina essencial para não me encaminhar para os excessos. Serei eternamente compulsiva alimentar, nem vale a pena camuflar este facto, como emocionalmente, ponto final. Forçar-me, no entanto, a uma alimentação consciente e ajustada às minhas necessidades tem-se relevado surpreendente.

 

O meu cérebro reptílico, continuará a assaltar o frigorífico de quando em vez, mas essas investidas estão cada vez mais controladas porque mantenho o instinto animal na mira da minha própria consciencia, o meu auto-conhecimento, a minha verdade. Não quero com tudo isto, emagrecer, nem me passa tal coisa pela cabeça, mas estabelecer uma boa relação com a comida é essencial para o meu equilibrio enquanto mulher que luta diariamente com sérios problemas de auto estima. Caminho, ainda que cambaleante, e sei que por hora este é o caminho certo. No futuro, o que virá? Não sei e sinceramente, pouco me importa. 

publicado às 14:32

A Fábio o que é de Fábio

por Cláudia Matos Silva, em 09.10.15

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É uma experiência interessante do ponto de vista sociológico, essas aulas de inglês que acontecem algures no Laranjeiro, sob o argumento de se aprender uma nova língua, solta-se a própria língua em confissões inesperadas. Eu gosto das minhas alunas, tanto, que todos os dias aprendo com elas o que nunca cheguei a compreender em 17 anos de rádio. As disparidades entre todas nós, mulheres, aproxima-nos e durante uma hora, estamos comprometidas com o que deve ser um momento 'muito nosso'. Todos os dias, há novas revelações, desde os segredos culinários de Tahera, às 'lazy mondays' da Isabel, tudo se conjuga na perfeição, nesta que é uma experiência que não deverei esquecer, acima de tudo porque me ajuda a superar um período 'especialmente mau' na minha vida.

 

Não se debitam verbos porque sim, conhecem-se histórias, e o mau afamado 'To Be' entra em acção para lhes dar cor, às vidas das que não vão na cantilena 'burro velho não aprende línguas'. Há dias que sinto uma certa desolação, confesso, tenho expectativas e se não se produz o desejado, sinto-me a falhar em qualquer coisa. Mas na aula seguinte, encontro-as à minha espera 'Good Morning', dizem, entusiasmadas para mais uma hora bem passada e retempera-se em mim a esperança de que não é em vão que nos reunimos, não pode ser em vão.

 

Gostamos da companhia umas das outras, sentimos a falta quando alguma se 'balda', mas continua a valer a pena. A Augusta adora fado, é possível que sem saber, noutros tempos, tenha sido minha ouvinte. De Fado, a Tahera só conhece 'Os caracóis' de Amália, eu não quis ser desmancha prazeres mas esse tema da senhora Rodrigues nem sequer é um Fado. Por outro lado, a Isabel está sempre a falar nos Scorpions, conta-me que 'Still loving you' é a música para a 'dor de corno', descarada assumo, 'não aprecio música brasileira', mas a minha escolha para a 'dor de corno' chama-se 'Esqueça' e é do que para mim foi um dos homens mais bonitos da telinha brasileira, Fábio Jr. Isabel, avança com a revelação, Fábio o seu filho, assim registado só o foi por causa da existência do outro, o quebra corações, casado mais de sete vezes. Espero menos tumulto na vida amorosa do pequeno Fábio do Laranjeiro.

 

'See you Monday', oiço já no final. 'Hope to see you girls', respondo. E elas sabem que sim, é a humanização daqueles instantes que nos faz sentir, a todas, sem excepção, especiais. E na nossa própria redoma, esquecemos, o mundo que lá fora se degrada e com o qual nos revemos muito pouco. E nisso, não poderíamos ser mais parecidas. 

publicado às 22:15


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