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Não julguém o próximo post com qualquer sentido político, mas humano, sou apenas uma mulher à beira dos 38 anos e absolutamente descontente com o país que ama e recusa a abandonar. É com base nisso que me sinto no total direito de não celebrar os 41 anos da revolução dos cravos. E no fundo é disso que se trata, cravos, e quem mais tem a ganhar, as floristas, entre 24 e 25 de Abril desforram-se à grande dos longos períodos de seca, porque a seca económica leva o português a optar por flores de plástico. Bom, a reputação do cravo também ascende em flecha por estes dias. Tantas vezes oprimido na sua condição de flôr menor, é elevada em dois dia por ano a símbolo nacional. Ouvi numa série da HBO uma personagem afirmar 'carnations never out of style' ou 'os cravos nunca saem de moda', mas neste pedaço de terra os cravos perdem a validade dia 26 de Abril, assim como a própria democracia esmorece a cada dia que passa, pela falta de rega. Um ano depois retornam os cravos e renova-se a utopia de um país livre, mas confudem-se conceitos e julga-se da liberdade de expressão como um post no facebook. E do que se trata afinal, democracia de secretária, escondida num monitor e cobardemente editada por um utilizador/cidadão, exercendo sobre si, uma coisa terrível a que chamam de auto-censura.
Nunca me terei sentido tão revoltada quanto às volta do Abril em 41 anos como agora e por esse motivo tive o direito de não ir para a rua celebrar. Diz-se, só há liberdade quando houver pão, trabalho, saúde e outros direitos básicos à sobrevivência com dignidade qualquer cidadão. Mas se uma operadora móvel me oferece um telemóvel, objecto claramente acima das minhas possibilidades financeiras, sinto no ar o cheiro, não dos cravos, mas de manipulação.De que me vale esse extraordinário telemóvel se não trabalho, o meu pão está rijo como cornos e para usar um sistema de saúde eficiente tenho de o pagar. Não vejo motivos para festejar, mas compreendo os que se perdem na noite de 24 de Abril, sempre com um copo de cerveja na mão, que ao fim das contas serve para afogar as mágoas e esquecer os factos.
No mesmo dia que se proclamou a liberdade de portugal (deliberadamente escrito com minúscula) e dos portugueses, seria a oficialização do engodo, proporções XXXL. 41 anos depois há ainda quem continue a acreditar numa tal mulher de má vida, democracia0 assim se chama, por hora nas ruas da amargura. Crê nela, embora esteja desdentada e cheia de doenças venéreas, os mesmos que pagam as compras do mês a crédito, almoçam fora todos os dias e fazem malabares exibicionistas apresentando em público os mais engenhosos e evoluidos dispositivos tecnológicos. Dita-se um avanço, meramente tecnológico e disso não passa, porque a mentalidade, a nossa enquanto cidadão que se força a cada dia que passa e já com os bofes de fora para acompanhar, a par e passo a europa. Podemos até beber redbull, mas a nossa mente nunca ganhará asas, porque pensamos pequenito, herança de outros tempos que vamos camuflando com manobras tão modernaças com 'selfies' ou fotos em bikini e partilhadas no instagram.
Ando a conta trocos, não vale a pena pintar o cenário como se vivesse num encantado arco-irís, posto isto mantenho alguns hábitos de leitura, usando as facilidades das partilhas grátis em pdf pela internet.
No tablet 'Wild', a história real de Cheryl Strayed, adaptada recentemente ao cinema por Jean-Marc Vallée e no foco Reese Whitherspoon. Se não estamos contentes com as transformações a que o mundo nos sujeita, causas inegáveis da mão impiedosa do homem, lançarmo-nos com unhas e dentes à natureza, pode ser a resposta. Mas nem todos têm estofo para aguentar a provação do frio, do calor, da chuva e do sol. Viveríamos como ciganos, pernoitando numa tenda para logo às primeiras horas do dia, partir, palmilhar serra acima, serra abaixo e os pés irreconhecíveis atafulhados de bolhas disformes. Cheryl Strayed não teve medo, nem do sangue ou do suor, e deixou tudo para trás, com uma certeza, haveria de regressar, mas não tinha pressa.
Apetece-me fazer o mesmo, partir sem destino e embrenhar-me pela natureza mais selvagem, mas ao contrário de Cheryl Strayed, não gostaria de voltar. Não aprecio do mundo que me rodeia hoje e estou certa que vou gostando menos a cada dia que passa. Chamem-me cobarde, quero fugir, sim, mas ainda há quem me prenda a este sitio onde reinam os oportunistas, não as oportunidades. Porque tenho sempre um plano b, refugio-me em pequenos prazeres, dos tais que me desligam das pessoas.
No dia Mundial do Livro, pinto, como uma criança inocente sem noção do que o amanhã lhe reserva, o meu livro cheio de gatinhos é delineado com rigor, intenção e dedicação. Não sei quem sou, nem quem me olha, quando estou de volta dos meus gatinhos, ansiosos pela identidade que eu lhes quiser dar.
Este é o livro que me acompanha, hoje, amanhã e enquanto funcionar, lá estou na minha bolha pairando 'under the rainbow' e a bem da minha sanidade mental, desta forma, combato a mesquinhez terrena. Assim é com meia dúzia de pontas afiadas que traço por cada linha onde implodem cores múltiplas. As bonitas cores que muitos recusam percepcionar nas pequenas coisas. Se há quem prefira o mundo a carvão, para esses, encomede-se já um caixão e entreguem a alma ao diabo porque é dele o reino dos infernos.
Não é a primeira vez, ouvindo conversas alheias entre machos muito machos, numa cerveja e outra afirmam 'eu até deixo que me ponham o dedo no cú, mas andar com ele lá às voltas é que não!'. Fala-se da magistral 'enrabadela' a que está sujeita a classe trabalhadora portuguesa, na sua maioria. Usam-se ainda analogias como 'ao menos ponham-me vaselina' ou em muitos casos, e assumindo a derrota expressam o pesar, ' bolas, a seco e ainda por cima atiraram com gravilha'. Subjugação pura a de quem perde uma guerra com as calças na mão e o cú ao léu.
Benjamin é o meu gato, um bicho bonito e meigo. Em tempos, solteira, jurava que à noitinha enquanto eu dormia o bichano transformava-se em Ryan Gosling, e às primeiras horas do dia voltava a ser Benjamin, o gato. A fantasia era isso mesmo, porque no âmago desconfiava, o meu bicho é uma 'grande bicha'.
Como haveria de ficar mal vista perante o veterinário! Esqueçam tudo o que escrevi anteriormente sobre o meu gato, conheci uma faceta que para a lembrança deixou-me duas valente arranhadelas junto ao peito. Benjamin não é dos tais que anda por ai a deixar que lhe ponham o dedo no rabo e foi tão veêmente na sua convição que nem o termómetro lhe chegou perto.
Reserva assim a sua 'mariquice' para o nosso ninho, deitado no seu colchão favorito (eu) no tom confessional não cessa horas a fio um ronronar que me embala ao mais profundo sono. Quem sabe haja mesmo um Gosling a visitar-me durante a noite, quem sabe.
Mas antes de adormecer a terrível pergunta:
- E tu Ryan, deixas que te ponham um dedo no rabo? E andar com ele lá dentro à volta?
Vejo-o ao longe, conheço-lhe os modos a léguas, e por isso não tenho a melhor das impressões. Se falamos andamos ao despique, ele tem a mania que é esperto e eu sei da minha esperteza saloia. No fundo a boa vibração não se gera quando estamos juntos, mas virtualmente somos como grandes amigos e até troca de elogios frequentes.
Ontem novo encontro casual, penso 'ali está aquele gajo outra vez' mas da minha boca, alto e bom som, levantando os braços como quem manifesta satisfação, verbalizo 'olhó seboso!' e logo me vergo sobre as minhas próprias visceras. Ele sorri ao longe, mantem-se calmo e assume 'não percebi o que disseste', eu desconverso e ele arma-se em ardiloso 'chamaste-me mal disposto, não foi?' Balbuciei, nem lembro o quê, mas sorri, muito, mascarando o meu real embaraço. Brutando da minha boca todos os meus dentes, pelo menos enquanto os tenho vale a pena sorrir, não vá um dia o gajo perceber-me e sem demorar partir-me a boca toda.
Estou a pedi-las, eu sei que sim. Será que me posso defender? Bom, quem diz a verdade, não deveria merecer castigo, pois não!? Um créditozinho, vá.
'MORDENDO A PRÓPRIA CAUDA
Ontem tive a infelicidade de encontrar um capataz dos novos tempos. Uma pessoa mais papista que o papa. Um capataz cujo discurso dizia com todas as letras: você deve estar grato ao meu patrão por ele lhe dar trabalho. Registei: olha a mudança dos tempos! Eu a pensar que era o patrão que devia estar grato por ter alguém a trabalhar tão bem para ele. Mas não: o trabalho como esmola, o salário como favor. E, de permeio, a infantilizar o contratado. Ou subcontratado. Qualquer dia já não é salário, é mesada: «Toma lá e não gastes tudo em pirolitos.»
O que me chocou (mas não devia chocar) foi a alegria ufana deste capataz. A brincar aos cães sem saber que está a morder a própria cauda.'
Rui Zink
Não ligo a futebóis, mas assumo um sportinguismo inexplicável. A primeira e última vez que fui ao estádio assisti de camarote a uma triste derrota dos verdes contra o Chelsea, e se eu até gosto de futebol inglês (não comecei por dizer que não ligo a futebóis?), a verdade dos facto é que estar entre iguais levou-me o ar directamente aos pulmões e mesmo com o pesar da derrota, estavamos juntos. Creio, se à semelhança do Benfica e o truque da águia Vitória no início dos jogos, os nossos jogadores se assumissem em quatro linhas como uns verdadeiros leões em vez de gatinhos domesticados, a coisa corria-nos francamente melhor.
De qualquer das formas e porque não ligo a futebóis, certo, H. marcou uma ida à Luz para assistirmos ao frente a frente com a minha querida Académica. Nascida em Coimbra tenho aquele orgulhozinho que se manifesta timidamente pela Briosa. Mas eu não ligo a futebóis, nada abalaria a minha paz, nem sequer 55 mil adeptos frenéticos trajando vermelho e branco e com um auricular no ouvido para seguir a par e passo o jogo do Porto com o Rio Ave. Caminhava em direcção ao estádio e já as minhas entranhas latejavam, faltava-me o ar, mas continuei de passos firmes rumo à Luz e a Académica comia o primeiro golo, respirei fundo, baixei a cabeça e fechei os olhos. Vá, mantém-te firme. H. estava irritado, havia perdido o primeiro golo do seu glorioso e eu uma pilha de nervos porque sabia perfeitamente que iamos chegar a tempo de ver tantos outros, balas de canhão para o meu coração.
E assim foi, homens, mulheres e crianças todos vestindo a rigor, cantando hinos, vibrando afoitos cada golo, cada minuto, os pés batendo no chão até quase a extrutura estremecer. Eu estava à beira do vómito, e para quem não liga a futebóis, havia um sofrimento sintomático, tudo me transtornava. E o meu amor por um 'cronico-benfiquista' não fica de modo algum melindrado, mas por mais cedencia que há a fazer numa relação, mudar de clube nem sequer é uma questão. E não sei porque há-de ser assim, preferia relativizar estas questões clubísticas, mas sinto na pele a repulsa por um clube cuja religião é abraçada por H.
A académica marca o primeiro e único golo da partida, sou a única a levantar-me entre 55 mil pessoas e grito e esbracejo e sou a mais histérica das mulheres no estádio. E fico afónica. O sangue corre mais depressa, sinto-o, as mãos tremem, os lábios estão secos e a emoção toma conta de mim, imprudente, entre um campo minado por inimigos.
Sento-me junto a H. que no fundo está magoado, não pelo golo mas pela minha explosão de felicidade masoquista. Mas não há motivo para tal, digo-lhe relativizando, eu nem sequer ligo a futebóis!
Havia uma tensão no ar. Eu e M. por hábito falamos com sorrisos nos lábios, hoje não foi o dia. Sentia-se uma cobrança, um sentido crítico, uma certa mesquinhez ou até aquela vontade em apontar o dedo. Não vou negar, eu tinha entre mãos uma caçadeira de alta calibrada, pronta a disparar, mas M. que pauta o seu discurso pelo cerrado otimismo, lembrou-se de lançar farpas. Na rua o frio congelava-nos os ossos, entre paredes no quentinho acaloravam-se os humores, as entranhas enregeladas davam o alerta. Há uma discussão inócua em eminência. Eu disparo sem olhar o alvo, M. aponta todos os dedos que tem numa e outra mão, talvez me distraia com a sua sinalética e recolha mais pontos para uma vitória inquívoca neste confronto. Destrui-lhe a loiça toda, incluindo a cristaleira que estima mais que a vida. Estou sem munições, imprestável a caçadeira atiro-a para o chão como quem dá por terminado o duelo. M. continua cheia de dedos, cinco em cada mão, dez no total, e no topo do seu nariz arrebitado diz-se dona da razão.
Horas mais tarde, ao telefone, a culpa é do governo diz M. O Passos ainda ganha a eleições outra vez, diz num tom incrédulo. Discutimos pelo estado em que o Estado deixou as nossas vidas, sem alento, esperança ou paixão. Choramos, ensopamos os respectivos telemóveis, pedimos desculpa como fazem os namorados desavindos, mas sabemos que o amanhã será muito pior, e também por isso se adensam as lágrimas. Será que devo partir para outro lugar, tentar a sorte noutra país, M. incentiva-me. Eu desisto logo da ideia muito antes de imaginar o quadro na minha cabeça. A minha vida é M. e está em Portugal. Por mais discussões que tenhamos, eu não abdico de M., o meu grande amor, a minha mãe. E acredito, por mais que as sondagens apontem a economia de Portugal numa curva descendente, rastejando na lama e pelos dias da amargura, amanhã vai ser muito melhor, mãe, amor da minha vida.
Uma estreia absoluta no Lisboa Comedy Club à Duque de Loulé. Espaço com menos de um ano, com dois palcos; Laura Alves e Herman José, por onde passam conceituados e o que poderão ser promessas do stand up. Não é comum o português sair de casa e passar a noite a ver stand up, mas aos poucos começamos a perceber que se trata de um espectáculo como tantos outros, mas o público ainda não está educado para tal e isso é tão flagrante que chega a ser doloroso.
Lisboa Comedy Club é acima de tudo um tubo de ensaio de humoristas, dos que pensam nos seus textos, trabalham-nos dias a fio, meses até, distinguindo-se dos Fernando Rocha da vida. É muito mais confortável subir a um palco contar anedotas, mas o pessoal que pisa os palcos do Lisboa Comedy Club está proibido de contar anedotas, tudo em prole do desenvolvimento desta arte que, com a ajuda da tv, tem vindo a ser conhecida e reconhecida.
É no entanto engrata a posição destes rapazes e raparigas que se atrevem a sair da caixa, arriscam, às vezes ganham outras perdem, como é, no fundo, a vida de todos quantos saem da zona de conforto. Uma piada que sai ao lado tem um impacto maior do que um espectáculo replecto de tiros certeiros. É amargo o sabor do falhanço, mas eles não condescendem, trabalham mais, trocam ideias com os parceiros de profissão, esventram cada palavra ou intenção porque querem perceber o que correu mal. É um trabalho em progresso, diário, eles adoram, há um quê de masoquista nesta profissão e tão pouco glamour. E o público, às vezes ingrato, exige-lhes que o façam rir quando não lhe é reconhecida qualquer predisposição para se deixarem levar. Fincam o pé, cruzam os braços e um olhar desafiador deixam bem claro 'faz-me rir ó palhaço, vê se consegues, desafio-te'.
'Não há nada mais masoquista do que estar feliz e pensar que não vai durar. Que a primavera são dois dias e que as andorinhas chegaram, mas tarda nada estão a partir. Há gente que vive assim, incapaz de saborear o presente, boicotando a felicidade, por temor de não suportar a desilusão de a ver desaparecer. O resultado é que tornam a vida numa tristeza constante.
Enervam-me esses arautos da desgraça que parecem tirar prazer de ensombrar a alegria alheia. Somos peritos nesses fados, cantados tantas vezes por velhos do restelo, que parecem gostar das sombras, profetizando o apocalipse para aqueles que se aventuram a ir mais longe.
...Além do mais com a velhice e a consciencia de que o tempo passa à velocidade da luz, que a páscoa está outra vez ai, tornamo-nos mais felizes. Sabemos que estes ciclos fazem parte da vida e que às vezes as primaveras sucedem-se a um ritmo tão alucinante que é primavera quase sempre. E quando não é, temos a certeza de que está quase a chegar.'
Isabel Stilwell