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Clinomania ou o excessivo desejo de ficar na cama

por Cláudia Matos Silva, em 30.03.15

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 M. apenas está bem na horizontal e esse facto não tem qualquer malícia. Confessa-me envergonhada, se pudesse estava sempre enfiada na cama, e tentando contraiar esta vontade nota-se alguma embirrância com o mundo em geral, as pessoas em particular. Diz-me que tem de ir ao médico, não é normal tanto tempo enfiada na cama, e logo para quem se queixa M., eu que tudo faço na cama. Acalmo-a com as minhas palavras, tento, ao menos tranquilizá-la, é normal que se queira espraiar naquele mar de lençois quentinhos, não há melhor posição que a horizontal. Da minha cama para a dela, numa pesquisa pelo google, informo-a de uma condição a que chamam de clinomania. Sente-se uma voz aliviada do outro lado da linha, no fundo ela quer dar um nome ao seu estado. Assim seja, embora de difícil diagnóstico, a clinomania manifesta-se pelo excessivo desejo de ficar na cama e confunde-se às vezes com depressão, mas são coisas bem diferentes.

 

Hoje começo por lhe sentir um certo ânimo na voz, diz-me até que vai levantar-se, dar um passeio ou fazer uma longa caminhada na marginal. Espreita por uma nesga da cortina, ainda meio enremelada, e partilha comigo 'está um dia bonito, mas algo me diz, aquele sol não é de confiança'. 

publicado às 08:59

Um homem a quem possa roubar as meias

por Cláudia Matos Silva, em 24.03.15

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Sabia, desde miúda, querer viver sozinha. Influenciada pelo facto de ser filha única ou por assistir a um ambiente familiar hóstil, teria presente a tomada de decisão, viver só. Gosto do meu espaço, geralmente uma extenção do meu carácter. E se nem todos gostam de mim, é certo que muitos irão questionar uma convivência diária com a rapariga que vai ao café em pijama. Não sou má diaba, mas tenho os meus caprichos e não admito que por eles me apontem  o dedo.Gosto de deitar-me a horas estranhas, acordar quando ninguém está à espera e executar tarefas (às vezes barulhentas) quando o mundo inteiro dorme. 

 

Continuo a acreditar que viver sozinha é o melhor do mundo, mas no fundo sou uma desertora. Quando era solteira, só me faltava subir num palanque para defender esta minha posição, bem sei que a questão em si não é tão fracturante quanto os cofres portugueses (afinal estão cheios ou vazios?) mas podem salvar-se muitos relacionamentos. 

 

Há no entanto um facto que não posso negar, viver junto, no meu caso particular, não foi uma decisão mas inevitabilidade. Já não fazia sentido andar com cuecas do dia anterior dentro da mala ou dormir tarde e a más horas para desfrutar do tempo possível ao lado do meu parceiro. Vivíamos ambos numa ansiedade, desgastados com o facto de nos dividirmos entre duas casas.

 

Quando nos juntámos, não houve a cerimónia dos primeiros tempos. A partilha de tecto era tão natural que sabiamos não haver motivos para discutir sobre loiça por lavar ou pêlos da barba no lavatório. Haviamos esclarecido uma série de mandamentos para quem quer viver a dois e em tranquilidade. Às vezes as pilhas de loiça superam uma obra da Joana Vasconcelos, a maior parte das vezes não vejo propósito em cozinhar, e alturas há que o frigorifico vazio chora de solidão. Depois há os meus caprichos, gosto de roubar meias ao meu rapaz, embora não as dobre, muito menos pretenda cosê-las, mas uso-as por casa. Secretamente gosta, eu sei, porque os meus pés lembram os de um E.T. disforme, e ri em silêncio. Tal como aprecio que me subtraia relógios ou gorros. Partilhamos, sem reticências, e quando é chegado esse momento, julgo que não poderíamos estar mais prontos para deixar fruir a natureza que nos quer debaixo do mesmo tecto, mesmo que ambos por natureza tenhamos uma paixão pela mistica de abrir a porta de casa e saber que tudo estará exactamente como deixámos. 

 

A minha mãe sempre disse 'a quem doi o dente é que vai ao dentista' e se algo incomodar, o incomodado que faça por mudar a situação. Diz o bom senso, uma mão lava a outra, se ele hoje lavou a loiça, decerteza que vai gostar de chegar à noite a casa e ter a caminha feita de lavado e com os lençóis favoritos. Não falo de troca, toma lá dá cá, mas de boa vontade e sabemos desde as cadeiras da escola primária, boa vontade gera boa vontade. 

 

E eu no fundo desconfio que sempre quis um homem a quem pudesse roubar as meias, numa casa onde cresci aprisionada, o reino da austeridade. É, no mínimo, libertador usar as meias do meu homem sem que venha abaixo o carmo e a trindade. 

publicado às 16:57

E se alguém um dia lhe oferecer uma flor de plástico?

por Cláudia Matos Silva, em 23.03.15

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O primeiro pensamento não é o melhor. Quem gosta de flores, aprecia-lhas o cheiro, cor, textura e até a forma como se adapta ao cantinho mais especial lá de casa. Mas também a vemos definhar, as raizes apodrecer, por mais que se lhe mude a água com frequência, o destino está traçado e a morte é certa. Se estou num daqueles dias de melancolia assolapada, custa-me deitar ao lixo aquele flor, oferecida com tanto afecto. Os pensamentos de perda afloram-me os sentidos, os medos ressurgem e a consciencia da maior de todas as miserias; ver partir todos quantos amamos. Tolhida por este medo, amo pouca gente, e amo com uma mão contada de pessoas que valem a pena. Não amo desaforadamente, este e aquele, qual FlorBela. Sou de amores eternos, shakespereanos, mas o meu coração não chegaria aos 30 se me entregasse desta maneira a mais de um punhado de gente boa. A eternização vejo-a como possível quando recebo uma flor de plástico. Não entendo se é um cravo, ou uma rosa, mas está reservada a um sítio especial, onde moram as pessoas que um dia levarei no coração até ao exacto momento que ele deixar de bater. Nada é para sempre, mas enquanto cá andamos, há tempo suficiente para nos eternizarmos na vida uns dos outros. Porque depois somos apenas pó, somos nada, e o resto não importa.

publicado às 18:55

Não preciso de amor para ser feliz

por Cláudia Matos Silva, em 23.03.15

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O título deste post deveria estar entre aspas, é uma citação, tirada do Correio da Manhã e veio da boca de uma qualquer ex-mulher de jogador da bola. E quem diz uma coisa dessas, e eu já disse tantas vezes, mais até que os meus dedos das mãos, é porque está absolutamente sedenta de amor e sabe como é definitivo para nos tornar seres mais equilibrados.

 

E o amor, acontece de várias maneiras, apresenta-se em diversas fórmulas e encontra-se entre os nossos semelhantes. Se falamos em amor, pensamos no romantizado e se esse é realmente importante, o outro é a base para uma vida com maiores picos de felicidade. O outro, que outro, o outro amor. O que deveria acordar connosco todos os dias, conduzir-nos sem hesitação entre o sol e a chuva, acompanhar-nos ao leito para uma noite tranquila, para que no dia seguinte o ciclo se repita mas nada seja realmente igual. O amor pela vida. Esse é o tal, o que fará tudo o resto acontecer tão naturalmente, e sem darmos conta iremos amar, amar.

 

E quando me cruzo com comentários que eu própria terei dito a dada altura da minha vida 'não preciso de amor para ser feliz', concluo por conhecimento de causa, o azedume a que estava votada. Ninguém pode encontrar realmente o amor, seja de que natureza fôr, se todas as suas acções são movidas pelo fluxo gástrico corrosivo. O caso é sério e nem com pastilhas Rénie se resolve.

publicado às 08:18

Nunca sabemos quem nos observa

por Cláudia Matos Silva, em 22.03.15

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É certo o facto surpresa para quem gosta de sair de casa com a máquina fotográfica. Nunca sabemos o que vamos encontrar, e mesmo que o destino seja certo, uma vez chegada ao local são raras as vezes que algo inusitado se apresenta pelo caminho. Às vezes sou avistada em locais abandonados, sitios de energia decadente, e embrenhada entre silvas e destroços, se alguém me olha, sinto uma espécie de ponto de interrogação a transpassar o olhar do traseunte. Exibo a Canon, cartão de visita, como quem diz gestualmente, 'eu não sou totalmente louca, estou aqui com um propósito.' Às vezes no meu do percurso, ando perdida e as surpresas sucedem-se. Tento captar tudo com a máquina, mas nem sempre me sinto dotada do precioso engenho para uma boa chapa. Também não uso (ou abuso) de filtros, nem edito as fotos. Gosto de imagens cruas, a extensão do meu olhar. Hoje, por exemplo, palmilhei até não saber onde me encontrava. Entre um bairro social de Almada, pessoas passavam por mim com o tal ponto de interrogação a transpassar-lhe as vistas. Inibida, tirei poucas fotos. Não havia dúvidas, tão perto da praia, e aquele ambiente não era definitivamente 'a minha praia'. Antes de virar costas vi um moinho pendurado numa varanda. Captei-o com a minha objectiva e voltei para o ninho, onde bebericando um chá de limão e mel, visionaria o resultado final das fotos deste Domingo. E não é a primeira vez que me apercebo dos detalhes, após serem fotografados, mas desta vez senti um arrepio na espinha.   

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publicado às 19:19

Conversas malvadas

por Cláudia Matos Silva, em 16.03.15

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Às primeiras do dia, as notícias falam do mesmo, bebo o café para disfarçar o hálito terrível de quem acordou. São as presidenciais, os drones e até um grupo de pessoas fartas da terra e dispostas a emigrar para Marte. Porque um dia não são dias, venha um salame e mais um café, por favor. Ainda o Bes, a Grécia, o bloco de esquerda, Sócrates e este belo paraíso fiscal chamado europa. Homem mata mulher com 30 facadas, com mil raios, uma lasca de salame fica meio retida entre os beiços, o espanto. Ouve-se '30 facadas? O tipo devia estar muito chateado' e dentro de mim há uma sádica a rebolar-se à gargalhada. Chiça, não foram três, foram trinta facadas, eu diria que o fulano estava piurço.

publicado às 15:03

Vá lá, já passou

por Cláudia Matos Silva, em 16.03.15

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Uff, o Domingo já passou, mais um, entre tantos que há para viver. Não gosto de Domingo, tenho-lhe aquele ódio de estimação, e roça o irracional. Se algo não vai de feição, culpa-se o Domingo, porque é aquele dia, o tal dia. E perguntam-me, mas Domingo é o tal dia, porquê?! Não sei, não se pode (ou deve) sair de casa, o mundo lembra-se de aparecer todo ao mesmo tempo e nos mesmos sitios, é incomportável. No café, na esplanada, no cinema, no shopping ou até na praia. Só na minha casa, o silêncio impera, o meu ninho onde reina a harmonia, ponho-me de volta das panelas. Faço sopa, cuscuz, arrumo roupa que adoro espalhar o resto da semana pelos quatro cantos e em locais inusitados. Vou para a cama e entro numa espécie de coma, as horas passam, os gatos ali se acomodam a meu lado, aninhados. Rusty, o amarelinho, dá sinal, 'hey já é segunda-feira'. Bolas, Rusty, é cedo para caraças, são seis da manhã. 'Hey, tira lá o rabo da cama', riposta o felino bem ao seu jeito irritante. Domingo já lá vai, é preciso voltar a viver. As primeiras do dia estão ai, os primeiros raios de sol num esplendor tão perfeito, julgo-me ainda a sonhar. Que lindo dia está lá fora, 'hey, salta lá da cama' e eu salto, directamente ao café onde faço conversa de circunstancia 'então, quem ganhou o secret story?'. 

publicado às 07:50

A duna da Cresmina

por Cláudia Matos Silva, em 14.03.15

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Nada antevia a minha incursão pelo imenso areal do Guincho. Para deserto, basta-me o de ideia ou criatividade, demasiado presente ultimamente. Na duna da Cresmina está disponível um simpático percurso pedonal para se interagir com a natureza, cuja perfeição está a um grão de areia prestes a mover-se ao ritmo do vento, apressado, num corropio de nos deixar os cabelos em pé. Não andei a roer maçãs, nem vi garrafas de óleo boiando vazias nas ondas da manhã, mas fiquei alheada a tudo. Fotografei inquieta montinhos daquela areia dourada que amanhã nos irá oferecer outros tantos montinhos, noutra conjugação, dimensão e forma. Não me deitei nas dunas ou sequer me pareciam divãs, mas é certo que dos meus olhos penetrantes raiavam pensamentos a mais na que já não é a idade dos porquês. Alheada, perdi a noção do tempo e H. quase perdeu o jogo do seu benfica.

publicado às 20:16

Aveiro, é tanto e tão pouco

por Cláudia Matos Silva, em 11.03.15

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Aveiro nem sequer parece uma cidade, quanto mais portuguesa. Emana uma energia tão positiva, apetece deixar as grandes urbes aos frenéticos do shopping e viver desafogadamente numa ria que se estende pela mais bela e limpa cidade, portuguesa, concerteza. Sim, Aveiro é Portugal, mas não parece, ou então é a melhor versão de nós, polida e airosa. Aveiro convida-nos a ficar, só mais um bocadinho e a apreciar cada cantinho. 

 

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publicado às 20:24

Agora já não gozam comigo

por Cláudia Matos Silva, em 11.03.15

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O meu carrinho de mão era alvo de chacota. As pessoas paravam na rua e olhavam-no com desdém. Julgavam-me saloia, a que usava trole para carregar as compras e fazer trajectos relativamente longos com sacos cheios de areia para gato. A ideia surgiu-me numa viagem a Paris, jovens estudantes, a maioria universitárias, andava pela cidade carregando o material escolar em discretos sacos negros com rodas. Disseram-me várias vezes que usar tal coisa lembrava as velhotas, e a verdade é que as via, desempoeiradas passeando os seus troles coloridos e às bolinhas. As novinhas preferem segurar as alças dos sacos do pingo doce nos antebraços, mas queixam-se porque já não são gratuitos. Viraram o bico ao prego, revoltadas, fazem-se duas perguntas; para onde irá o dinheiro dos sacos e onde podem comprar uma traquitana com rodas.

publicado às 20:08

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