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Ainda a propósito do post desta menina e o direito a não querer ser mãe, lembro o dia em que me encostaram à parede. Uma tarde de quarta-feira, fim de tarde, era Verão, estava sentada num sofá negro os meus pés descalços ao comprido e observava N. com um ferro de engomar, irritado. A casa dele, disse-lhe, cada qual debaixo do seu tecto, nunca me percebeu, mesmo assim dizia que aceitava este meu voto de independência porque me amava. O verniz prestes a estalar e empunhando o ferro, parecia dar-me inadvertidamente um workshop 'como engomar umas calças em cima um móvel do Ikea'. Calada, sentia-lhe os nervos à flor da pele, no fundo o machista que sempre me fez crer não ser, esperneava dentro dele, queria sair, devia ser eu a engomar aquela roupa que lhe pertencia e não o próprio. A minha pacifidade tirou-o do sério e perguntou-me 'Quando é que pretendes crescer?' e sem um pingo de provocação porque era tão verdade há 7 anos como é hoje disse-lhe 'nunca'. Soubemos instintivamente que a relação não iria a lado nehum, para não sermos diferentes de ninguém, negámos pelo menos um ano, até que depois deixei-o ir à vida que realmente queria ter, para que eu própria pudesse seguir a minha sem qualquer culpa ou remorso.
Esqueçam, não sou fã, nem de perto nem de longe da Aldo. Se o preço não me atrai o conforto muito menos, especialmente os de salto alto são o inferno dos pés. No entanto gosto de observá-los nas montras, são lindos e distinguem-se a léguas das criações da Seaside, salvo raríssimas excepções (e diría até acidentais) consegue apresentar peças que não lembrem as personagens da casa dos segredos. Reflectindo um pouco sobre a questão do calçado, fico sem norte ao trilhar um mapa do meu percurso habitual de sapatarias, e deslinda-se o mistério. Ténis, eu uso cada vez mais ténis. Ténis com saias, calções, vestidos, calças arregaçadas, estilos formal ou casual, sempre ténis. Em boa hora ouvi os entendidos da matéria lançarem as novas tendências, e como na moda, cada vez mais as coisas surgem das ruas (especialmente das entranhas do getho) para as passereles, os ténis foram oficialmente adoptados pelos criados e estilistas que lhes têm conferido um milhão de utilizações. Estilo e conforto são palavras de ordem e creio que não sejam modas, porque essas passam. Já agora, esses Aldo, têm tudo para ser meus.
É difícil esquecer. Subíamos escadas rolantes do shopping, ela de tacão alto tentando acertar os degraus, o episódio como sempre, embaraçoso, fazia-nos sorrir. Eu alguns passos adiante, ela atrás e uma fila de pessoas exasperante ansiosa por ultrapassá-la, à senhora que não atava nem desatava. 57 anos e nunca aprendeu a andar de escadas rolantes e toda a vida sorriu disso e de todas as suas fraquezas. Daquele dia em diante a mulher que eu sabia divertida alguns metros atrás de mim, porque no fundo estava a atrapalhar toda a gente e essas cenas deleitavam-na, deixara de sorrir subitamente. Implorei-lhe que me desse um laivo daquela expressão de sempre e lastimando, disse ' por mais que tente, não consigo' e tapou a boca envergonhada com a mão. Há muito que o complexo do 'código de barras' ou as rugas na zona acima do lábio superior lhe toldavam a vida social, havia recorrido a uma série de procedimentos cirúrgicos, mas nenhum eficaz. Agora manifestou-se contente, forçou-me a observar várias vezes a zona em questão, garantindo-lhe que não havia rugas ou fissuras. Eficaz, sem dúvida, até na remoção do que mais caracterizava aquele rosto que no fundo é semelhante a tantos outros, excepto pelo sorriso que irradiava um sol translúcido.
- Ela está a morrer!
- Não está nada, vai tão bem.
- Então já caiu uma folha.
- Ah, estás a falar da flor. Pensei que fosse da Judite de Sousa.
- Mas a Judite já morreu, por dentro.
Junto à televisão tenho uma bonita orquídea oferecida pelo que se partisse com ele levaria o meu coração. Beberico chá de equinácia, dizem-me que tenho fraca imunidade, e sei que a tenho em tudo ( e tudo mesmo) e nem as mezinhas me protegem das fraquezas do corpo e do espírito. Então desenrola-se a conversa 'non sense' dos amantes, a que os outros por sistema não entendem, as meias palavras, sons, ruídos, grunhidos, gargalhadas que perfuram os tímpanos ou silêncios prolongados.
'Em Portugal, a amizade leva-se a sério e pratica-se bem. É uma coisa à qual se dedica tempo, nervosismo, exaltação. A amizade é vista, e é verdade, como o único sentimento indispensável. No entanto, existe uma mentalidade Speedy González, toda «Hey gringo, my friend», que vê em cada ser humano um «amigo». Todos conhecemos o género — é o «gajo porreiro», que se «dá bem com toda a gente». E o «amigalhaço». E tem, naturalmente, dezenas de amigos e de amigas, centenas de amiguinhos, camaradas, compinchas, cúmplices, correligionários, colegas e outras coisas começadas por c.
Os amigalhaços são mais detestáveis que os piores inimigos. Os nossos inimigos, ao menos, não nos traem. Odeiam-nos lealmente. Mas um amigalhaço, que é amigo de muitos pares de inimigos e passa o tempo a tentar conciliar posições e personalidades irreconciliáveis, é sempre um traidor. Para mais, pífio e arrependido. Para se ser um bom amigo, têm de herdar-se, de coração inteiro, os amigos e os inimigos da outra pessoa. E fácil estar sempre do lado de quem se julga ter razão. O que distingue um amigo verdadeiro é ser capaz de estar ao nosso lado quando nós não temos razão. O amigalhaço, em contrapartida, é o modelo mais mole e vira-casacas da moderação. Diz: «Eu sou muito amigo dele, mas tenho de reconhecer que ele é um sacana.» Como se pode ser amigo de um sacana?'
MEC 'Os Meus Problemas'
Já tentei tantas técnicas para evitar a gralha, sem sucesso, nem os correctores automáticos me salvam. Entre a rapidez do raciocínio cujos dedos nem sempre têm fôlego para acompanhar ao mesmo ritmo, perde-se muita informação pelo meio. E mesmo com correcções, os olhos já estão feitos a uma ideia e vão ler o que entendem não o que realmente está escrito. E às vezes há com cada barbaridade que me fervilham as faces de vergonha e onde quer que esteja, tento corrigir a falha, mas sem sucesso, sinto ao mesmo tempo que o rubor me aquece a gorgomilo, o mau feitio consumir-me os fígados. Não lido bem com gralhas, mas não as consigo evitar. Noto agora que a minha última tendência é 'plurarizar' quase todos os verbos, e numa última leitura de correcção carrego na seta de retroceder e apago tantos 'esses' que já me faltam os dedos das mãos e dos pés para os contabilizar. Se tendia a singularizar-me, a defender a singeleza, parece-me que na 'babugem' dos dias, o tudo é tão pouco, e as teclas fogem-me para a verdade. Preferia-me, humilde a dizer coisas poéticas e bonitas, autênticas passagens de fado e o meu mundo fazia-se de pouca coisa porque 'o pouco era tanto'. Ao que parece, hoje, tanto, sabe-me a nada.
Cantava, Natércia, que usava óculos de sol para chorar. Eu uso para me esconder, mas atenção, esconder-me ao mais alto estilo. Foi quase amor à primeira vista, são Skog, uma marca recente, feitos em Portugal em madeira e relação preço/qualidade é bastante aceitável. Nunca gastei mais de 10 euros em óculos, mas não me lembro de nenhuma provação deste tipo, falo de mim não dos óculos. Comprá-los foi reconhecer utilidade num acessório, o que nunca aconteceu até então. Estou numa fase em que preciso de reforçar claramente a minha auto-estima e ao mesmo tempo passar invisível, parece contraditório, claro que é, eu sou uma mulher e de outra forma não poderia ser, a contradição é o meu nome do meio. Olho por mim abaixo, nunca pelos espelhos, tenho-os recusado nos últimos meses, e vejo-me uma manta de retalhos coloridos. Sinto-me despedaçada, mas um autêntico arco-iris, portanto, ninguém se atreva a mexer com as minhas cores, mesmo no fundo do poço, eu sou cor. Claro penso na incongruência de tudo isto, a cor é inimiga da invisibilidade. Estou arrasada, o ego destruído, mas enquanto conseguir usar todas as cores da palete para pintar os meus dias é sinal que estou viva e mesmo que fuja dos olhares constrangedores com os meus óculos de sol espelhados, eu sei que continua a haver em mim um sol que não esmorece. No fim das contas, julgo não ser assim tão importante passar entre as pingas da chuva, aliás não é conveniente para quem usa óculos de sol, porque se é legitimo que me observem, na verdade eu também gosto muito de olhar as pessoas e conhecer as suas estórias.