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Não podia ser mais a favor da rotatividade dos livros, especialmente as edições limitadas, perdidas no tempo mas presentes na memória de muito de nós. Por isso, o meu entusiasmo frenético não se inibe quando encontra uma loja de livros manuseados. Espaço pequeno, acolhedor e organizado, com muitas pérolas para descobrir a preços entre 1-3 euros, com algumas promoções pelo meio. Alerta para Fyodor Books no Campo Pequeno - Av. Óscar Monteiro Torres nº 13 B. Trouxe 'Planeta dos Macacos' e os contos ilustrados dos irmãos Grimm. Aos mais pacientes recomenda-se este novo cantinho da cidade.
Houve um período que fui especialmente feliz, encontrei um propósito no imprevisível, os contentores do lixo, rapinando tudo o que estivesse em condições para vender. Não era o dinheiro que me preenchia, demasiado curto para satisfazer as mais reais necessidades, e por outro lado esse papel que tocamos como em ouro, dista dos meus fundamentos à felicidade. Não nego, o decadente momento da recolha extasiava-me. Já havia de memória uma lista dos melhores contentores com lixo útil para os meus fins, e porque há mais pessoas nessa actividade que se imagine, tantas vezes me cruzei com parceiros de colecta. Fazia-o pelo puro prazer da descoberta, por isso havia primazia aos que precisavam mesmo de recorrer a tal ritual, e quem sabe, com vergonha afundavam o auxiliar em metal para escavar fundo nos despejos de todos nós.
A minha actividade era diferente. Só me detia em lixo limpo, sacos à vista desarmada e de preferência com roupas e afins. Tantas vezes resumia-se a parar o carro, saltar dele toda boneca e os meus sapatos 'vintage' (nunca me vesti a rigor para esse trabalho meio sujo) e apanhar um saco à beira da estrada ou à porta do contentor. Simples.
Porque deixei de ter espaço para arrumar tanto 'stoque', deixei há muito este exercício, para grande pena minha. O hábito de olhar os caixotes é mais forte que eu, instintivo e até aflitivo porque sei tratar-se de puro desperdício com o destino tristemente traçado, uma trituradora. Detenho-me por instantes na possibilidade de voltar a velhos hábitos mas carrego acelarador a fundo e não penso mais nisso. Ontem não resisti e num terreno enorme coberto de roupa, em ótimo estado, especialmente para criança, perdi as estribeiras. Trouxe o meu 'trolley' das compras e foi ensacar tudo o que pudesse deitar a mão. Depois segui para a loja de solidariedade de Miratejo e o meu coração voltou a encher-se, nem sei bem de quê, mas fazer o bem tem esse efeito inexplicável e indescritível.
Noutros tempos nunca quis realmente vender a roupa, não está na minha génese fazer dinheiro, preciso do essencial aos meus botões e basta, mas ajudar na medida das minha possibilidades é ideia que mantenho desde há muito. É experiencia a repetir, espreitar lixo alheio para dele tirar o melhor, por isso se algumas instituições de caridade ou pessoas em dificuldades estiverem interessadas em receber roupas é favor contactar-me, deixo o mail: claudiamatossilva@gmail.com
É verdade que ando perdida, procurando um propósito para tudo isto, a vida ou como raio lhe chamam. Sobrevivo numa quase felicidade que mete fastio, mesmo assim não encontro sentido ou direcção. Definho a cada dia que passa e quanto mais remeto a solução para um novo caminho, deparo-me com um sinal vermelho, passagem sem prioridade ou sentido proibído. Dirão que é uma questão de tempo, parece-me francamente uma terrível falta de 'timing' - onde comprar algum para lançar-me prego a fundo numa estrada sem princípio, meio e fim?
Aos 37 anos não sei o que quero, consola-me (às vezes) o facto de saber exactamente o que não me convém. Refugio-me no lugar mais seguro do mundo, o meu quarto, junto aos meus seguranças particulares, Benjamin e Leonardo, sempre de unhas afiadas para quem se atrever a arrancar-me do meu doce leito.
Porque não sei ler mapas e nunca fiz questão de aprender, desorientada, silenciosa suplico ajuda. Uns julgam tratar-se de um desabafo, mas na verdade é um grito de desespero, sussurado. Quero um propósito, preciso, a vida não pode ser só isto. Ficar encerrada entre quatro paredes como um papagaio amestrado não me preenche. Outros, dizem-me para dança, fazer voluntariado, aprender fotografia, abrir um negócio ou dedicar-me ao ponto cruz. E eu, introspectiva, declaro tímida aos meus botões, só quero escrever. E assunto não me falta, nunca faltou, mas o sentido autocrítico não me deixa avançar.
Num desses passeios despretenciosos pela cidade encontro este livro, está a dois euros no Cash Converters, abro ao calhas e faz-me rir. Levo sem hesitações. Já em casa percebo tratar-se de um blog, como tantos outros transformado em livro. Espanta-me, esta grande querida, assim se apresenta. Julgo-me ao espelho, em amena cavaqueira numa casinha de chá entre scones e cheesecakes. A grande querida usa da mesma ironia que eu, é descritiva nos pontos que geralmente foco, obcecada por obesidade tenta ter graça mas cai tantas vezes em desgraça, um pouco a história da minha vida, sim. Vou mais longe, se a autora usasse a palavra 'gordifanfas', eu iria reclamar a obra como minha, nunca ouvi tal palavra na boca de mais ninguém.
A verdade seja dita, este livro como tantos não tem qualquer sentido, a não ser elevar o ego da grande querida e deixá-la à sombra do seu próprio umbigo. Se assim é para além deste blog 'tão pouco' relevante que num destes dias de total vazio lembrei de criar, posso contar uma história com o propósito de ajudar as minha semelhantes, as tais para quem a grande querida escreve tão carinhosamente, as anafaditas. É uma ideia que mora na minha cabeça há muitos anos mas o travão têm sido os amigos. Por cada um que elogia a minha narrativa, volto atrás com o propósito e aqui fico de braços inertes a ver a série 'camada de nervos' do canal Q. Os elogios são de difícil digestão e o meu estômago revolta-se pela falta de imparcialidade dos que dizem gostar de mim.
É por isso que me vergo com revêrencia aos autoconsciêntes porque sabem parar e aguardar pela hora certa, se ela eventualmente surgir. Aos inseguros, os que acreditam plenamente nas palavras dos tais amigos, reclamem para vocês um espelho, seja de um gabinete de provas da Zara ou o vislumbre da vossa sombra numa vidraça, tudo é legítimo para melhor se conhecerem, sem medos. Quanto à grande querida, por dois euros, não me senti propriamente enganada, mas pelos 14 euros cobrados pela editora já me parece um valente rombo à carteira. Por outro lado agradeço a hora em que este livro me foi parar às mãos, espelhou tanta da futilidade que há em mim e reconheci imediatamente que há irrelevâncias que em mim deverão morrer.