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Lado a lado palmilhando a calçada lisboeta, as duas, respirando o ar primaveril e os 'pólens' também. Olhámos as flores, sim, e agraciámos as cores da estação enquanto o azul do céu se impunha.
- Sapatinhos com um lacinho, vi-os numa loja a 4 euros, uma pechincha.
- Qual a cor?
- Como se diz agora? Cor de vinho?
- Não sei. Grená?
O que é feito do grená ou até da expressão 'cor de vinho'? Duas sobreviventes do século passado pareciam discutir num vocábulo em vias de extinção e nesse instante recordei a importância de manter como um tesouro bem português as pérolas que caem em desuso no que se diz ser uma evolução da espécie mas que tantas vezes nos leva a esquecer quem fomos e até perder a identidade. Há palavras antigas, caducas ou velhas e simplesmente não encaixam na forma rápida como tudo se processa, por isso, atalham-se termos frescos, modernos, vindos de outras paisagens com influências 'tropicalientes' lembrando a cultura globalizante. Não vamos esquecer, o peso das palavras, especialmente as arcaicas, as tais que nos fazem levantar o sobrolho com reverência, têm envergadura e conferem a importância ou a intenção de um sentimento por exprimir. As palavras com estofo e história nos hábitos, usos e costumes que percorreram os nossos lares por tantas décadas, têm arrogância suficiente para valiar tudo o que realmente queremos dizer com dignidade e sem recorrer a cobardes abreviaturas, 'smiles' ou reticências.
...que assinalo 40 anos depois do 25 de abril, ouvindo Todd Terje 'It's Album Time' logo às oito da manhã pelo Spotify, apanhando flores selvagens no baldio junto aos contentores do lixo, sorvendo chá tetley de morango e pela primeira vez este ano, deixando os collants em casa. Celebre-se a primavera com as cores da liberdade e a tranca ao leu. Por quanto tempo nos serão permitidas estas pequenas liberdades?
Dos bons não reza a história, não é bem assim que o ditado popular conta, mas prefiro personagens atravessados pelo menos considero-os interessantes ou mais parecidos com cada um de nós. Gosto dos defeitos, da imperfeição, do erro e de tudo o que me lembra a minha condição humana e nesse aspecto reside toda a ironia, porque um dos meus sonhos era precisamente ser infalível e até mecânica, mas por saber de mim tão emocional já me rendi a esta condição 'maricas' de ser. Inconscientemente parece-me que todo o mundo se deve render à evidencia de que é a capacidade de falhar que nos torna tão especiais pela inteligência analítica da correcção e da constante evolução. Porque se assinala o dia do livro, e ao contrário do que se diz o português até gosta de ler o ano inteiro e não é um gosto sazonal, como as malfadadas crocks, o objecto livro pode ser inanimado mas as pessoas que estão dentro dele vivem com uma força que carregamos connosco na memória uma vida inteira. As mal amadas são as que se instalam com maior certeza no meu foco de atenção e o primeiro que me apaixonou foi Heathcliff de 'O monte dos vendavais'. Tão boa rapariga terá sido Emily Bronte mas o que lhe passou pela cabeça para fazer do herói romântico um tipo mau como as cobras?Aliás toda a história, tirando a linguagem à época que não aprecio, poderia ser contemporânea e revelar os malefícios do amor, porque tanto amor pode mesmo matar. E matar falo literalmente ou não, há tantas formas de morrer. Aliás, o meu próximo mal amado, nem sei bem se é vivo ou um 'morto andante', é um ser estranho, feito de cadáveres, um minucioso trabalho de 'corte e costura' de Mary Shelley em 'Frankenstein'. Diria que somos, hoje e na forma como a sociedade pula e cresce, se desenvolve freneticamente e ansiamos pela aceitação, pequenos filhotes de Frankenstein de coração triste e despedaçado. E como vamos colar as peças de volta? Que estragos precisaremos de fazer? Queremos realmente ser os mal amados no livro a nossa vida?